domingo, 30 de setembro de 2012

Looper: Assassinos do Futuro

Direção e roteiro: Rian Johnson
Elenco: Joseph Gordon-Levitt, Bruce Willis, Jeff Daniels, Paul Dano, Emily Blunt

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Yo! How's it going?

Em minha postagem de hoje, volto a falar sobre cinema aqui no blog Streampunk. A película da vez é a recém-lançada ficção científica "Looper: Assassinos do Futuro", estrelando Joseph Gordon-Levitt e Bruce Willis.

Plano de fundo: Em Kansas City no ano de 2044, Joe Simmons (Joseph Gordon-Levitt) é um dos misteriosos "loopers", assassinos pertencentes a um grupo mafioso que, do futuro de aproximadamente 2074, envia seus alvos para serem eliminados em 2044 para que não sobrem evidências ou quaisquer vestígios de suas mortes no futuro em questão, resultando em uma queima de arquivo simplesmente perfeita.

Quando o próximo alvo de Joe revela-se ser ele próprio trinta anos mais velho (Bruce Willis), tem início uma frenética caçada de vida-ou-morte entre os dois: afinal, Joe tem que eliminar sua versão mais velha, enquanto o velho Joe busca implacavelmente a criança que se tornará o maior chefe do crime em seu futuro, o terrível Rainmaker, responsável pela morte de sua amada. O problema, é claro, é que a organização de "loopers" também está atrás dos dois Joes, e qualquer passo em falso pode significar o fim de ambas as suas existências.

Papum: Escrito e dirigido pelo relativamente desconhecido Rian Johnson (que assim como Tarantino, atém-se a dirigir filmes que ele próprio escreve), "Looper: Assassinos do Futuro" é um longa de ficção científica como não víamos há alguns anos no mercado: sincero, imaginativo e pessoal, além de levemente cyberpunk. Isso não significa que a película pode se juntar aos grandes nomes da ficção-científica de todos os tempos, vejam bem, mas já é um começo em uma época tão carente de histórias novas e interessantes que não sejam absolutamente descartáveis. Pois bem, on to the film, then.

Mais de uma vez li críticos dizerem que "Looper: Assassinos do Futuro" é um filme difícil de ser assimilado, caracterizando-se por um certo nível de complexidade que beire a confusão. Oponho-me a tal opinião por um simples fato: logo de início, somos apresentados aos "loopers" a partir de uma explicação em primeira pessoa simples e direta por parte de Joe, e qualquer espectador atento estará amplamente preparado para o desenrolar da trama from that point on. Isso pode desagradar aqueles que não gostem de filmes auto-explicativos, já que diálogos bem trabalhados poderiam ter a mesma função exigindo que ligássemos alguns pontos por conta própria, mas como há a necessidade por parte dos produtores em Hollywood de que o público entenda a premissa de suas histórias, a estratégia de Johnson é eficaz, embora não muito audaciosa. O que pode confundir alguns, então, é a existência e divergência de realidades, não explicada em detalhes no filme, mas perfeitamente compreensível a qualquer fã de ficção científica que se preze. Não estamos diante de inúmeras linhas do tempo alternativas, como bem poderia ser o caso, mas sim apenas duas: a mainstream e aquela que acaba por ser alterada. A sobreposição das duas é tão breve, contudo, que seu entendimento é perfeitamente possível sem fritar neurônio algum. Afinal, não estamos diante de um cyberpunk de Phillip K. Dick, cujas histórias são amplamente mais complexas. Nessa linha, se alguns dizem que entender filmes como "A Origem" não é grande coisa, entender "Looper: Assassinos do Futuro" também não significa muito. Discordo de tais opiniões e acho errado diminuir o entendimento do espectador quanto a película que estão vendo, mas a analogia é válida. 


Bem, having said that, o que vemos a partir das cenas iniciais também é uma alternância entre ação, perseguições e conversas que dão espaço tanto a tiroteios e mortes quanto ao desenvolvimento de suas personagens, talvez o ponto mais alto da película. Johnson é sensível para entender os momentos visuais e pessoais de seu filme, e a performance de Joseph Gordon-Levitt (perfeitamente maquiado com auxílio de próteses que o deixassem parecido com Bruce Willis) realmente impressiona. Aliás, uma das virtudes de Johnson foi entender a complexidade de Joe e exigir que um bom ator o interpretasse, o que poderia facilmente não ter ocorrido caso o diretor optasse por um ator qualquer que simplesmente parecesse com Bruce Willis. Gordon-Levitt imita trejeitos e maneirismos de Willis convincentemente, dando verossimilhança ímpar à incomum relação entre os dois.

Ainda em uma nota artística, os ângulos de Johnson também são interessantes e contam com enquadramentos bem criativos aqui e acolá, somados ainda há ótimas opções de distanciamento de cena que dão muito mais dramaticidade do que zooms com câmeras trêmulas, como cansamos de ver em Hollywood. Tudo isso, além da alternância entre os focos narrativos Levitt-Willis, necessita de uma boa edição, o que de fato ocorre nas mãos de Bob Ducsay, famoso por seus trabalhos na trilogia de "A Múmia". Resta ao roteiro, então, fazer seu trabalho bem feito, o que de fato ocorre nas mãos de Johnson: há diálogos afiados e engraçados pelo longa, além de singelas homenagens a diversos outros trabalhos de ficção científica que vão de piadas com roupas brilhantes a motos "high-tech" e codinomes de personagens. Tudo é bem estruturado (com exceção do vício de Joe, simplesmente largado em certa altura do filme) e o resultado, como já falei de início, é extremamente honesto, culminando em um clímax satisfatório para a maioria e término sólido. O silêncio da sala de cinema ao fim do filme pode dizer bastante sobre a opinião pública do longa, embora eu não saiba interpretá-lo de modo definitivo: teriam todos gostado ou simplesmente não entendido nada do filme? A dúvida fica, e só o espectador pode respondê-la. 

Agora 'nuff said. "Looper: Assassinos do Futuro" é uma ótima pedida para o fim de semana. Sigam o blog e postem seus comentários sobre o filme aqui mesmo. See ya!  


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In a nutshell:

- Looper : Assassinos do Futuro -
Thumbs Up: roteiro em geral coeso e coerente; clima e atmosfera para a trama;  maquiagem e performance de Joseph Gordon-Levitt; direção firme e inventiva; edição competentíssima;
Thumbs Down: explicações iniciais e principalmente indagações finais, quebrando para muitos a possível surpresa da cena;

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

How I Met Your Mother - Oitava Temporada

Yo! How's it going?

Falar sobre programas de televisão nunca esteve em meu objetivo central para o blog Streampunk. Afinal de contas, não acompanho a mídia com atenção e conheço bem superficialmente os programas de grande audiência na atualidade. Todavia, tendo em vista que as próximas duas semanas marcam o início de diversas novas temporadas de seriados norte-americanos de sucesso pelo mundo, resolvi trazer a vocês um pouco sobre a única série cômica que realmente acompanho com afinco há alguns anos: "How I Met Your Mother", cuja oitava (e provavelmente última) temporada teve início há três dias, em 24 de setembro. 

Plano de fundo: Marshall e Lily tiveram seu bebê, Marvin. Barney e Quinn estão noivos, alheios ao fato de que Robin ainda nutre sentimentos por ele. E Ted... Bem, Ted reencontrou Victoria um pouco antes de ela se casar com o alemão Klaus, e agora ela resolve abandonar o altar para ficar com ele. Sim, meus caros, o cenário novelístico está armado para reviravoltas que podem enfim resultar no encontro de Ted e sua futura esposa, o momento que todos aguardam ansiosamente há 8 anos. 

O que esperar: Quando houve a reforma contratual para a sétima e oitava temporadas do programa, muito se especulou sobre o término da mesma ao final de dito período. Afinal, as carreiras tanto de Jason Segal (Marshal) quanto de Neil Patrick Harris (Barney) parecem ascender continuamente com suas participações em diversos blockbusters, e Cobie Smulders (Robin) também começa a ganhar projeção depois de seu papel no bilionário "Os Vingadores". Recentes boatos, no entanto, parecem sugerir que uma nona temporada poderia ser incluída no projeto, uma vez que "How I Met Your Mother" tornou-se um dos carros chefes da emissora CBS, que não está disposta a perder tanto "Two and a Half Men" quando "HIMYM" ao mesmo tempo. Having said that, há diversas especulações sobre o rumo dessa temporada (SPOILER ALERT): Barney e Robin ficariam juntos novamente, levando seu romance ao altar (como já sugerido no primeiro episódio da temporada); Marshall e Lily decidiriam tanto a babá quanto o padrinho de Marvin, levando a divertidas discussões entre o grupo; Outubro marcaria o término simultâneo de três relações no grupo, começando o caminho que levaria cada um deles ao seu par definitivo; a futura esposa de Ted seria introduzida por flashes em uma estação de trem em quase todos os episódios, até finalmente chegar o momento que eles conversam pela primeira vez na segunda metade da temporada.

Pois é, tudo leva a crer que "How I Met Your Mother" começa a caminhar ao seu fim. No entanto, tanto os produtores quanto criadores da série afirmam que a atriz que interpretará a mulher de Ted ainda não foi escolhida (e quando de fato for, será em absoluto sigilo), mas ninguém afirma ao certo que a história terminará quando ela aparecer pela primeira vez. Resta a nós especular e continuar a acompanhar essa comédia tão criativa quanto sentimental por mais uma temporada, esperando que boas risadas estejam reservadas durante o caminho.

Agora 'nuff said. "How I Met Your Mother" é um dos shows mais populares da atualidade, então gostaria de saber o que vocês acham que pode rolar nesta temporada da série. Deixo aqui alguns links com seus vídeos promocionais:


Não se esqueçam de seguir o blog e até a próxima!  

terça-feira, 25 de setembro de 2012

The Three Stigmata of Palmer Eldritch

Autor: Phillip K. Dick
Ano de publicação: 1965

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Yo! How's it going?

Há cerca de dois meses, trouxe a vocês um pouco sobre "The Man in the High Castle", obra de um dos autores de ficção-científica mais cultuados de todos os tempos, Phillip K. Dick. Em minha postagem de hoje, mais um de seus grandes trabalhos marca presença: "The Three Stigmata of Palmer Eldritch", um dos grandes livros do escritor publicados durante a década de 60.

Plano de fundo: Em meados do século XXI, colônias humanas em diferentes planetas já são a mais pura e factual realidade. Isso não significa, porém, que o trabalho seja divertido; na verdade, todos aqueles selecionados para colonizar outros planetas, e em especial o desolado Marte, acabam afligidos pela loucura do isolamento e monotonia constante, fatores que fazem os colonos buscarem incessantemente algo que lhes traga qualquer tipo de satisfação. Entra aí a droga alucinógena Can-D.

Desenvolvida pela controversa empresa P.P. Layouts, Can-D oferece alívio instantâneo e transporte mental coletivo a solo terrestre sempre que usada em conjunto com outros produtos da P.P. Layouts, as miniaturas da boneca Perky Pat. Agora, no entanto, outra droga ainda mais poderosa está prestes a entrar em cena e acabar com o monopólio de Can-D e da P.P. Layouts: ela é a forte Chew-Z, trazida do sistema Prox até o sistema Sol por Palmer Eldritch, que há dez anos partira em uma missão interestelar por tais bandas. A potência de Chew-Z, contudo, pode ser capaz de mais do que simples viagens surreais momentâneas, e sua existência e dons quase divinos podem entregar aquilo que até mesmo Deus só prometeu aos humanos. Isso é, se Ele já não foi encontrado.

Papum: "The Three Stigmata of Palmer Eldritch" é a última obra da coletânea de livros de Phillip K. Dick da década de 60 que ainda precisava ler. O resultado, apesar de não tão imaginativo quanto "The Man in the High Castle" ou divertido como "Ubik", é de qualquer forma potente e complexo, abordando novamente temas muito recorrentes nos trabalhos de Dick como a instrumentalização de drogas e a verdadeira percepção da realidade. Having said that, creio ainda que "The Three Stigmata of Palmer Eldritch" seja um dos livros narrativamente mais audacioso do autor, já que seu jogo de cenários ganha ambiguidade ímpar na segunda metade da obra, dificultando qualquer interpretação do que é real e o que não é. E isso Dick faz magistralmente.

Contando com um incomum início introdutório para seu elenco de personagens (que tem em seu foco o dono da P.P. Layouts, Leo Bulero, e seu funcionário precog Barney Meyerson), "The Three Stigmata of Palmer Eldritch" exige compreensão e assimilação instantânea do leitor com relação ao background da obra em um curto espaço de tempo, construído e conduzido mais através de falas do que descrições propriamente ditas. Tratando-se de uma ficção-científica, então, é natural que lutemos para entender de uma vez a simplicidade e estranheza de Perky Pat (alusão clara às bonecas Barbie) e como seu pequeno mundo em miniatura acaba por se materializar através do uso da droga Can-D (leia Candy, referência à forma de bala do objeto). Afinal, a droga é capaz de transportar a mente de seus usuários até Perky Pat ou seu marido Walter Essex (o Ken da coleção), agrupando mentes femininas e masculinas dentro de um corpo que permite um estado de consciência coletiva e imaginação terrena que é mais do que um alívio aos frustrados colonos de Marte. A narração aqui é sublime, e pensamentos se sobrepõe na mesma medida em que os usuários se mesclam e se entendem, formando o que Dick chama de tradução. Tal válvula de escape, é claro, também acaba por inevitavelmente remeter aos prazeres terrenos e até mesmo instintos sexuais suprimidos na vida de qualquer colono, ainda que Can-D seja estritamente proibida por decretos da ONU. As miniaturas da P.P. Layouts, por sua vez, dão vida e solidez a essa vivência transcendente, criando assim um monopólio da empresa que, por ironia do destino, encontra-se prestes a ser ameaçada, o que nos leva ao grande conflito da trama.

Assim que entra em cena, a droga Chew-Z (leia Choose), trazida pelo misterioso Palmer Eldritch do sistema Prox, torna-se uma experiência de tradução mais do que alucinógena. Assim como seu descobridor prega, ela oferece o que Deus apenas prometeu até agora: um amplo sentido de vivência e encarnação que pode ser alterado ao bel-prazer do usuário enquanto o mesmo constrói sua própria realidade e conduz o tipo de existência que quiser, seja ela humana, animal, vegetal ou até mesmo inanimada em seu tempo de efeito. Tal experiência é naturalmente algo etéreo, mas um senso físico também surge dela ao possibilitar que seus usuários vaguem em espaços de tempos diferentes e deixem até mesmo ecos mentais fantasmagóricos que ressoam por realidades sem barreira de espaço ou tempo. O problema disso, contudo, é a presença sempre pontual de Palmer Eldritch em qualquer plano desenhado pelos Choosers, marcando sua onipresença e aspecto divino que fazem Leo Bulero e sua empresa P.P. Layouts tremer diante daquilo a sua frente; sim, pelo visto Palmer Eldritch encontrou imortalidade e divindade em sua jornada a Prox, e seu domínio e influência ultrapassam o plano mental de Chew-Z para chegar até a realidade, onde sua presença se manifesta através de três estigmas recorrentes na visão das personagens: seus olhos mecânicos, dentes metálicos e mão robótica.

Como se tudo isso não bastasse, o confronto ainda ganha mais profundidade quando analisamos que tipo de personagem Leo Bulero é. Afinal, como todo poderoso empresário na história, Bulero faz parte do seleto grupo que tem acesso à E Therapy (Terapia Evolutiva), tornando-o um humano muito mais evoluído do que aqueles que o rodeiam. Isso torna o embate entre Bulero e Eldritch uma luta entre a evolução e o divino, onde não há quem esteja certo ou errado. Vendo o desenrolar das tramas, Barney Meyerson tem o nosso ponto de vista da situação inteira, já que ele é o personagem mais humano do conflito, tendo na separação de sua mulher Emily e na perda de seu trabalho carga emotiva e motivacional o suficiente para querer ir a Marte em busca de reclusão. Ao usar Chew-Z, então, seu ceticismo dá lugar a outro tipo de sentimento, e sua compreensão da verdade inclui o encontro de Palmer Eldritch no sistema Prox com aquilo que todos suspeitavam que pudesse estar em algum ponto do vasto universo: Deus. Sob um ponto de vista complexo, então, a discussão sobre o que de fato Ele é ou o que Ele quer ganha profundidade conforme Palmer Eldritch influencia a realidade de todos, mesmo sabendo que em breve Leo Bulero há de matá-lo. Sua ampla rede, no entanto, talvez já seja grande demais, e uma morte física nada signifique para ele, já que Palmer Eldritch há muito deixou de ser um homem qualquer. Construindo e destruindo a realidade a todo instante, Dick brinca com o que as personagens pensam ser real e o que realmente é, tecendo um confuso e complicado tear de ideais que não pode e nem deve ser entendido de um só modo. Racionalizar seu trabalho aqui é tirar dele todo seu brilho e loucura, consequentemente acabando com o incrível toque de diversão e desafio que é realizar sua leitura.

Agora 'nuff said. Há certamente dezenas de outras coisas a falar sobre o livro, mas quero deixar isso para aqueles que venham a ler a obra. Do mais, continuo insistindo que sigam o blog e voltem sempre que possível!

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In a nutshell:

- The Three Stigmata of Palmer Eldritch -
Thumbs Up: embate evolução vs. religião profundo e complexo; curiosa ótica sobre a existência de Deus e seu verdadeiro propósito; conflitos pessoais misturam-se em um escopo grandioso de questionamento imaterial; jogo de realidades difícil e ambíguo, perfeito para leitores que gostam de desafios; final altamente interpretativo;
Thumbs Down: tentativas de auto-explicação em seus parágrafos finais;    

domingo, 23 de setembro de 2012

The Sandman Vol. 7 - Brief Lives


Autor: Neil Gaiman
Artista: Jill Thompson

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Yo! How’s it going?

Depois de passar alguns dias resolvendo assuntos pessoais um tanto pendentes, volto ao blog para tratar mais uma vez de uma série muito popular em minha postagem de hoje: “The Sandman”, criada e escrita pelo grande autor inglês Neil Gaiman.

Já trouxe a vocês textos sobre o quinto e sexto arcos da coleção, “A Game of You” e “Fables & Reflections”. Assim sendo, hoje escrevo sobre o sétimo encadernado que compõe a série de doze, intitulado “Brief Lives”.

Plano de fundo: Delírio está preocupada com seu irmão Destruição, que há 300 anos abandonou a família dos Endless (Perpétuos) para conduzir a existência que quisesse. Afim de encontrá-lo uma vez mais, então, não resta opção alguma a ela senão buscar a ajuda de seus outros irmãos para partir em uma jornada até Destruição e ver por si mesma como anda o deus desertor de sua família.

Inicialmente rejeitada por Desespero e Desejo, Delírio encontra em seu relutante irmão Sonho (ou Morpheus) a companhia para poder chegar até Destruição. O caminho que os dois devem traçar, no entanto, guarda uma série de conflitos e reflexões preparados pelo próprio Destruição como obstáculos que impedem que ele seja encontrado, o que pode tornar a jornada de Sonho e Delírio uma busca dolorosamente humana e real.

Papum: Discorrer sobre o surrealismo e a profundidade de qualquer um dos volumes de “The Sandman” é tentar fazer o que há de mais óbvio e ao mesmo tempo mais difícil ao analisar o trabalho de Gaiman nessa que é uma das maiores séries em quadrinhos de todos os tempos. Having said that, tento abordar o arco “Brief Lives” sob um ponto de vista narrativo e descritivo que prioriza o simbolismo da obra e seu intrigante enredo dentro das interpretações que meu limitado conhecimento me permitem ter. Let's get on with it, shall we?

“Brief Lives” é talvez um dos trabalhos mais lineares de Gaiman em toda a série "The Sandman". Iniciado e terminado com dizeres parecidos de uma personagem humana (o guardião da cabeça de Orfeu), o arco é o mais emotivo dentre todos em que os Endless estão envolvidos, fazendo da viagem de Morpheus e Delírio não uma jornada exatamente transcendente, mas bastante física, já que é por nosso mundo que eles transitam. Nessa linha, as diferentes pessoas que fazem parte da jornada dos dois acabam por ter destinos terríveis previamente delineados por Destruição, que ao contrário do que pode parecer, é o mais humano de toda a sua família. O que vemos nesse tempo, então, é um mergulho dentro da brevidade não só mortal como divina, já que tanto os homens quanto os deuses devem ter um período de existência – e por definição, qualquer período de existência é breve perante o sempre. Tal fugacidade serve como principal agente de algo que o deus dos sonhos se revela incrivelmente contra: mudanças. 

No fundo, então, é sobre exatamente isso que “Brief Lives” se constrói, já que Morpheus só aceita viajar com Delírio tentando mudar seu estado de torpor após ser rejeitado, mas contraditoriamente, não deseja encontrar Destruição para não alterar o cenário atual do balanceamento divino e terreno. Ironicamente, no entanto, quem mais muda durante o caminho é o próprio Morpheus, fato dito e redito durante todo o arco e entendido através das diferentes atitudes do deus perante seus obstáculos: aqui há o maior processo de humanização da personagem até agora, já que ela não mais permanece totalmente apática àquilo que acontece em plano terreno ou aos mortais que cruzam seu caminho. Lentamente o deus tem mudado, e todos os seus irmãos sabem tanto disso quanto que talvez os Endless já não passem de simples símbolos que ainda perduram, mas não mais influenciam o tear do universo, tendo os seus dias invariavelmente contados. Tais revelações sem dúvida abrem pontas que devem ser exploradas mais para frente, e receio que o fim de "The Sandman" esteja bem aí.

Brilhando com o complexo enredo de Gaiman está mais uma vez a bela arte de Jill Thompson, veterana de guerra na série. Alternando entre traços faciais expressivos e linhas mais suaves quando necessário, Thompson utiliza-se de recursos diferentes conforme a história progride: ora temos jogos de luzes verdadeiramente impressionantes como na boate Suffragette, ora representações comportamentais precisamente retratadas pelos trejeitos de suas personagens, com ênfase nas poses incomuns de Delírio e as mudanças que seu cabelo tem conforme seu nível de lucidez oscila (outro ponto a ser destacado, lembro-me agora, é a caótica e desconexa maneira como a personagem fala, trabalho incrível de Gaiman que ganha ainda mais atenção com as cores e fontes irregulares em suas falas). O resultado artístico é então balanceado e preciso, ampliando ainda mais a abordagem pessoal de Gaiman durante todo o arco e culminando em um dos momentos mais tocantes de “The Sandman” até agora: a resolução do conflito entre Morpheus e seu filho Orfeu, mais uma prova de como o deus dos sonhos já não é mais o mesmo. Tendo isso em mente, é necessário que o leitor já tenha lido "Fables & Reflections" para realmente entender o que está em jogo e a resolução do problema; afinal, "Brief Lives" é  um arco extremamente sequencial dentro da coleção, já que resolve conflitos anteriores e abre os novos caminhos a serem tratados até o final da série.

Agora 'nuff said. Continuem a acompanhar o blog e sintam-se livres para seguir a página se quiserem! Basta clicarem no botão a direita para fazerem parte de Streampunk!

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In a nutshell:

- The Sandman Vol. 7 - Brief Lives -
Thumbs Up: ótimo retorno de Jill Thompson à série; boa conversação com os arcos mais antigos; premissa de grande escopo para a arrancada final da franquia; incrível humanização dos Endless e de Morpheus que acaba por aproximá-las de nós; ótima reflexão sobre a fugacidade da vida e sua insignificância perante um quadro maior;
Thumbs Down: -----    

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Fables Vol. 7 - Arabian Nights (And Days)

Autor: Bill Willingham
Artistas: Mark Buckingham, Jim Fern
  
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Yo! How's it going?

Em minha postagem de hoje, volto a falar sobre a série "Fables" (publicada como "Fábulas" aqui no Brasil), trabalho que reúne diversas personagens do mundo da literatura e dos contos-de-fadas e as insere em um contexto único construído em nosso mundo. Quem tiver interesse em saber mais sobre "Fables" pode acessar o texto que escrevi em agosto abordando o projeto pela primeira vez ao falar sobre o sexto arco da franquia, "Homelands".

Plano de fundo: Com a descoberta da verdadeira identidade do Adversário, os residentes de Fabletown começam a se preparar para um confronto que é tão iminente quanto inevitável contra seu vil inimigo. Nesse mesmo cenário se encontram as fábulas orientais, que agora vão a Fabletown buscar auxílio e amparo em uma possível aliança contra seus opressores.

Liderados pelo desbravador dos mares Sinbad, os orientais tentam formar um acordo com os moradores de Fabletown que seja benéfico para ambos os lados, mas uma traição em seu grupo pode colocar em risco tanto o tratado como toda Fabletown; afinal de contas, em matéria de magia, nenhuma criatura possui o índice de poder dos temíveis D'Jinns, e é justamente um deles que está prestes a ser liberado para conceder ao seu amo três terríveis desejos.

Papum: "Arabian Nights (And Days)" é mais uma adição muito bem-vinda ao ótimo desenrolar da série "Fables" e seu futuro tão promissor. Aqui, afinal de contas, finalmente vemos Bill Willingham dar ênfase a contos e histórias orientais que são tão famosos quanto os mais populares contos-de-fadas ocidentais, fato que havia passado despercebido até agora na franquia. Quem não conhece Sinbad, Aladdin, Ali Baba ou os poderosos Gênios, por exemplo? 

Amplamente baseado nas personagens e contos de "Mil e uma Noites", "Arabian Nights (And Days)" é também honesto e humano o suficiente para abordar um choque cultural que funciona muito bem para mover seu conflito: são duas realidades e comunidades de fábulas muito diferentes que devem se entender, e assim como o que ocorre entre ocidentais e orientais de carne e osso, há atrito e potencial o suficiente na trama para tornar os diálogos vividos pelas fábulas não só interessantes como estranhamente verossímeis. Brilha então o talento de Willingham e sua sensibilidade em abordar diferentes pronomes de tratamento, figuras de linguagem e referências culturais que fazem o bando de Sinbad remeter à sua cultura e crenças próprias, imensamente diferentes daquelas das já americanizadas fábulas ocidentais. Soma-se a isso a boa ideia de Willingham de criar bloqueios comunicativos entre suas personagens, abrindo caminho para um problema que podia muito bem ser real: afinal, é justamente na falta de uma boa comunicação  entre os povos que se inicia boa parte dos conflitos. O gabinete de Fabletown não sabe nenhuma língua árabe, assim como as fábulas árabes também não falam inglês, o que se torna algo imensamente justo e balanceador, assim como narrativamente potencial.

Falar da arte de Mark Buckingham também é chover no molhado a esta altura da série, mas seus belos quadros e símbolos para cada foco de personagens é sempre uma bela pedida, ainda que aqui não haja a criatividade mostrada pelo artista no arco de Boy Blue em "Homelands". Isso não desvaloriza em nada seu trabalho, é claro, que continua sólido e constante. O que surpreende, no entanto, também é o talento do artista convidado para o enredo "The Ballad of Rodney and June", uma espécie de bônus ao arco "Arabian Nights (And Days)". Desenhado por Jim Fern, o conto narra a história de amor entre duas marionetes criadas pelo exército do Adversário que acabam por se apaixonar. O traço de Fern tem grande sensibilidade e precisão ao transitar entre personagens reais e outras de madeira, e a escolha de tons claros e nenhum sombreamento certamente auxilia no objetivo central da trama. O resultado é satisfatório e agregador, e ainda dá margem a uma continuação e integração das personagens ao mainstream da série, que suspeito há de acontecer cedo ou tarde.

Enfim, "Arabian Nights (And Days)" é um arco tão interessante quanto curto e divertido, continuando uma saga que certamente vale a pena ser lida. A editora Panini já realiza sua publicação há algum tempo, então os interessados podem sim ter acesso à série de modo fácil, sem precisar importá-la como o tonto que vos escreve acaba por fazer. Aos interessados, o site da livraria comix é uma boa pedida para acompanhar a série (lembrando, é claro, que ela começa com o arco "Legends in Exile", ou "Lendas no Exílio").

'Nuff said, now. Deixem seus comentários e até a próxima!


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In a nutshell:

- Fables Vol. 7 - Arabian Nights (And Days) -
Thumbs Up: variação cultural e linguística na seleção e abordagem das fábulas presentes no arco; traço constante e cores apropriadas; escolha de elenco pensada e pontas soltas com bastante potencial;
Thumbs Down: arco relativamente pequeno, tornando o custo do encadernado um tanto salgado;

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

The Witch in the Wood

Autor: T.H. White
Ano de publicação: 1939



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Yo! How's it going?

Hoje trago a vocês mais sobre a saga "The Once and Future King", de Terence Hanburry White, série de livros que descreve em prosa toda a jornada lendária do Rei Arthur através de uma narrativa mágica e inteligente que mescla suposições há muito consumadas com o mais profundo toque de sensibilidade escrita do gênero da fantasia. Comecei meu trabalho com ela ao trazer a vocês "The Sword in the Stone", primeiro livro da série, no começo deste mês. Desta vez, trago o segundo volume da saga, intitulado "The Witch in the Wood" (ou "The Queen of Air and Darkness", em suas publicações posteriores).

Plano de fundo: Ao retirar a espada da pedra, o jovem Wart tornou-se aquele que deve governar a Inglaterra pelos difíceis e turbulentos tempos a vir. Sendo assim, ele agora é o importante e poderoso Rei Arthur, que auxiliado pelo mago Merlyn tem à frente seu primeiro grande desafio: o iminente confronto contra a confederação de reis que não o considera o legítimo governante dos reinos e feudos em seu território.

Através das últimas lições de Merlyn dentro de seu recém-formado reinado, Arthur deve aprender o verdadeiro significado e valor do poder para conseguir triunfar em sua batalha contra a confederação, que liderada pelo Rei Lot, é imensamente superior em número às forças de Arthur. Nas sombras desse conflito, a rainha Morgause, meia-irmã desconhecida do rei, também planeja algo vil contra Arthur que há de ter consequências terríveis em um futuro não tão distante; um futuro somente visto pelo mago Merlyn.

Papum: Seguindo o mesmo estilo narrativo de "The Sword in the Stone", T.H. White se utiliza novamente de anacronismo literário, senso de humor aguçado e muita imaginação para dar sequência à jornada de Arthur como o agora rei da Inglaterra. O resultado é mais uma vez extraordinário, e a constante inocência de seu enredo começa a ganhar maturidade e dramaticidade a partir dos fatídicos eventos aqui narrados, amadurecendo profundamente conforme seu protagonista também se desenvolve. À medida que isso acontece, mais acontecimentos da lenda arthuriana são revelados e expostos de modo honesto e preciso, uma rica adição ao outrora completamente imaginativo "The Sword in the Stone".

Desde o início de "The Witch in the Wood", somos apresentados a três focos narrativos: o grupo do Rei Arthur, onde Merlyn mais uma vez toma as rédeas da educação do jovem e o ensina a verdade sobre guerras e poder; o trio de cavaleiros trapalhões formado pelo Rei Pellinore, Sir Grummore e Sir Palomides, imersos em uma eterna disputa contra a criatura mágica Glatisant ao mesmo tempo em que o Rei Pellinore encontra seu verdadeiro amor; a família residente de Lothian na corte de Orkney, governada pela Rainha Morgause e pelo Rei Lot e tumultuada pelos quatro filhos maldosos de Morgause (Agravaine, Gareth, Gawain e Gaheris). É de impressionar, então, como White consegue fazer que as três histórias tenham suma importância em seu plano para um livro tão curto, com mudanças de olhares tão abruptas. Somado a isso, continua surpreendente a facilidade com que o autor utiliza-se de referências contemporâneas para narrar sua história do século XII sem fazê-la perder o sentido ou sua verdadeira identidade. Sim, as misturas de Merlyn sobre acontecimentos passados e futuros continua inspirada, e talvez vejamos aqui seu maior momento: quando o mago discorre sobre o poder de uma filosofia e um ideal como razões por trás de uma guerra, Arthur o aceita como justificativa concreta para um conflito, argumento rebatido por Melyn com uma analogia anacrônica fantástica - Jesus Cristo jamais forçou sua filosofia sobre os outros, ao contrário de um líder austríaco que se utilizou de seu ideal para jogar o mundo ao caos, alusão clara a Hitler e a Segunda Guerra Mundial, já que White escreveu o livro justamente quando começava o conflito.

Ainda em sua abordagem de poder, Merlyn faz Arthur pensar sobre o verdadeiro significado por trás do mote "Might is Right", onde poder é justiça. Seu intuito é fazer com que Arthur descubra por si só o verdadeiro significado da frase, muito mais profunda em seu cerne do que em sua mais comum e errônea interpretação. Poder não é justiça, mas com ele deve haver possibilidade, inteligência e sensibilidade o suficiente para se fazer justiça. Tal conclusão de Arthur faz com que a personagem amadureça em todos os sentidos, culminando em sua reflexão sobre a valorização de cada um dos indivíduos de sua frente e a desvalorização da covarde nobreza que atrás dela se esconde. Isso tem consequências profundas na mitologia da lenda, já que é aqui que Arthur idealiza o grupo de cavaleiros que deve não servi-lo, mas combater ao seu lado: a Távola Redonda. 

Having said that, é impossível não lembrarmos, então, do trabalho de J.K. Rowling em Harry Potter e no mote do Ministério da Magia: "Magic is Might". Como já disse em meu texto sobre "The Sword in the Stone", Rowling sempre se disse fã do trabalho de White, e tanto no primeiro quanto no segundo volume de "The Once and Future King", podemos encontrar ricas referências usadas pela autora como subtramas para sua saga. Em "The Witch in the Wood", além da já citada alusão acima ainda temos a parábola usada por Merlyn para tratar de destino e morte: "O Conto dos Três Irmãos" de Harry Potter tem exatamente o mesmo princípio que a história contada por Merlyn sobre o cidadão de Damascus que, encontrando a morte e descobrindo sua identidade, tenta fugir dela ao ir para outra cidade, onde acaba por encontrá-la de qualquer maneira, já que ela também conversara com a mesma pessoa que a revelara para o cidadão em questão. O conto de Rowling é mais extenso que o de Merlyn, mas sua mensagem é bastante similar à daquele descrito por White.

Pois bem, com lendas tão ricas, narrativa tão comovente e fatos "históricos" entrelaçados em uma magia tão inocente, tanto "The Witch in the Wood" como toda a saga "The Once and Future King" são simplesmente marcos da literatura fantástica que devem ser lidos por qualquer um que se julgue adepto ao gênero. Infelizmente, porém, demorarei algum tempo para escrever sobre o terceiro livro da série, "The Ill-Made Knight", por ter me comprometido com outras leituras de outros autores e gêneros diferentes. Assim que sobrar um pouco de tempo em minha agenda literária, no entanto, adorarei retornar ao mundo de Arthur e continuar sua saga naquele que começa a ser o momento mais delicado de seu reinado, onde traição e guerra o colocarão perante seus maiores desafios.

Agora 'nuff said. Continuem a acompanhar o blog e até a próxima!


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In a nutshell:

- The Witch in the Wood -
Thumbs Up: perda da inocência da série tanto simbólica quanto física, do decapitamento de um unicórnio à sedução de Morgause; valoroso questionamento humano e discussão sobre a razão de se guerrear; personagens sólidos e cativantes que brilham com vida até hoje; 
Thumbs Down: -----

sábado, 15 de setembro de 2012

The Underwater Welder

Autor e artista: Jeff Lemire

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Yo! How's it going?

Hora de uma Graphic Novel um pouco mais alternativa aqui em Streampunk. O trabalho sob os spotlights é desta vez o incrível "The Underwater Welder", escrito e desenhado pelo autor canadense Jeff Lemire.

Plano de fundo: É chegado o Dia das Bruxas, o tempo do ano mais difícil para Jack Joseph. Afinal de contas, esse é o período no qual seu pai faleceu ao se afogar alcoolizado há muitos anos, deixando profundas cicatrizes em Jack que ainda custam a sarar. Como se isso não bastasse, a data também marca o nono mês de gravidez de Susan, esposa de Jack, o que implica que logo em breve o próprio rapaz deverá assumir o manto da paternidade e a responsabilidade que isso requer.

Buscando refúgio de seus medos e anseios em seu incomum trabalho de soldador submarino, Jack não sabe que o que o aguarda debaixo d'água são justamente todos os fantasmas que tem suprimido há tanto tempo, fazendo-o ingressar numa profunda e tocante viagem pessoal que o fará ter de escolher entre permanecer no fundo do mar ou nadar de volta à superfície e encarar sua vida.

Papum: Profundo e tocante, "The Underwater Welder" é uma bela joia dos quadrinhos modernos que, se não possui o mesmo apelo ou divulgação das inúmeras histórias de super-heróis que dominam a praça sem muito acrescentar, tem potencial narrativo e dramaticidade o suficiente para comover seu leitor a ponto de garantir um espaço mais do que reservado na prateleira de qualquer um que preze histórias em quadrinhos como uma arte.


Construído a partir de um traço trêmulo e disforme e banhado somente por diferentes tons de cinza coloridos manualmente, "The Underwater Welder" traz um senso de personalidade muito forte consigo, e mesmo não sendo uma obra visualmente bonita para muitos, carrega conflitos intensos e pesados que certamente não teriam o mesmo valor sob um traço detalhista ou precisamente proporcional. Não estamos diante de ícones heroicos ou símbolos de um pseudo-patriotismo, mas sim de um homem como qualquer um de nós e os fantasmas de seu passado que insistem em atrapalhar seu futuro; não há nada melhor do que cenários simples e muitas linhas faciais para convir aquilo que ele quer transmitir. Afinal, a jornada de Jack, narrada por quadros pequenos no mundo real e grandes enquanto submerso, é uma jornada de dor e crescimento que se baseia nos difíceis sentimentos de aceitação e desapego, passando diretamente por uma profunda sensação desnorteante de medo que serve de obstáculo para a personagem seguir em frente. É a resolução de tal problema que tem de ser abordada, necessitando uma viagem catártica que é realizada magistralmente por meio da estratégia condutora de Jeff Lemire ao dar a Jack sua tão incomum profissão, perfeita para o isolamento total da personagem perante o mundo e para o aprofundamento na relação entre ele e seu pai, que era uma espécie de caçador de tesouros submersos e, portanto, também trabalhava na água.

Igualmente relevante a todos os elementos citados também se encontram os monólogos de Jack dentro e fora d'água, montando uma personagem assustadoramente real. É claro que é há um intenso e tocante ar masculino e paterno na obra, tornando-a particularmente interessante sob o ponto de vista da relação entre pai e filho, mas as dificuldades abordadas, vindas na forma de alcoolismo e memórias de infância, são capazes de tocar qualquer um, assim como o desenrolar crescente do enredo que termina em uma nota nada overdramatic, mas simplesmente eficaz e precisa, o que duvido que aconteceria se "The Underwater Welder" viesse a ser adaptado para as telonas, como de fato até merece. Por esses e mais motivos, a leitura e releitura da obra compõem uma experiência fascinante que vale a pena. Só é preciso que editoras brasileiras se interessem por algo tão emocionante e rico ao invés de encadernados caríssimos de obras já publicadas três ou quatro vezes aqui em nosso território.

'Nuff said, now. Não deixe de conferir "The Underwater Welder" caso a obra seja lançada por aqui!


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In a nutshell:

- The Underwater Welder -
Thumbs Up: catarse profundamente interessante e comovente; traço e coloração precisos para o tom da obra; enredo com a carga exata de drama e otimismo que realmente emociona; resolução mais do que apropriada que resume perfeitamente uma jornada de amadurecimento;
Thumbs Down: -----

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

The Underwood See

Autor: Michael Lawrence
Ano de publicação: 2006

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Yo! How's it going?

Em julho iniciei aqui no blog a cobertura sobre a trilogia de livros infanto-juvenis Withern Rise/Aldous Lexicon ao tratar do primeiro livro da série, "A Crack in the Line". No mês seguinte, abordei sua sequência, "Small Eternities". É chegada a hora, então, de trazer até vocês o último volume da saga criada pelo autor inglês Michael Lawrence, o bom "The Underwood See". Quem quiser conhecer mais sobre a série só precisa clicar nos links acima para poder ter acesso às resenhas feitas aqui no blog.

Plano de fundo: Ainda presa em uma realidade que não é a sua de origem, Naia continua a lutar para entender os recentes acontecimentos que passaram a fazer parte de sua vida e assim mudar seu cenário. Além disso, é em Alaric e sua realidade que seus pensamentos frequentemente estão, alheia ao fato de que o destino do garoto já foi selado quando Alaric interviu no passado e resgatou Aldous Underwood em sua pequena eternidade, perdendo sua própria vida no processo. Ou será que não?

Seguindo as cartas do misterioso sujeito que se auto-denomina Aldous U., tanto Naia quanto um Alaric de outra realidade são mais uma vez levados a diferentes planos paralelos que lhes dão um grande vislumbre de realidades alternativas. Desta vez, porém, não há só duas em questão, mas sim uma dezena delas, e se perder é extremamente fácil, como o que ocorre ao jovem Ric. Cabe a Aldous U., então, conduzir seu objetivo tão meticulosamente planejado de explicar a Naia e Alaric sua versão sobre os fatos e tudo que os ronda de uma vez por todas, e ele deve fazer isso rápido: afinal, realidades nascem com a mesma frequência que morrem, e uma delas está prestes a sucumbir.

Papum: Desde que iniciei a leitura da saga Withern Rise/Aldous Lexicon, o que encontrei foram livros de leitura extremamente rápida cujos temas são mais desafiadores do que aqueles contidos na maioria dos romances infanto-juvenis por aí, promovendo muito mais discussões e dramas pessoais do que ação. Sempre houve alternância de focos narrativos de modo afiado e atento, não permitindo ao leitor se distrair levianamente. Pois bem, em "The Underwood See", Michael Lawrence eleva seu jogo ao dar respostas para quase todas as perguntas deixadas durante a série e aproveita para inserir boas subtramas, climas pesados e finalmente um toque a mais de personalidade em suas personagens para se despedir delas e encerrar a série. O resultado, então, funciona bem.

Logo em sua divisão de capítulos, "The Underwood See" se esconde atrás de uma estrutura que parece numerada aleatoriamente para confundir seu leitor. Aos acostumados com o estilo da série, no entanto, logo fica fácil identificar que Lawrence na verdade numera seus focos a partir das realidades a serem narradas, o que não demora a ganhar um grande escopo: não são mais duas ou três que existem, mas sim diversas delas. Acompanhar a trama que se desenrola em cada uma delas sem perder o fio da meada não é exatamente difícil, mas requer atenção. É bem verdade que Lawrence facilita nosso trabalho ao abreviar alguns nomes de versões diferentes da mesma personagem, mas isso não significa que está tudo mastigado. Sua organização de ideais é boa, fruto de um bom planejamento para o romance, que podia facilmente se perder com tantas variações e alternâncias frequentes. Nessa linha, usando uma espécie de Q.G. para sua história (a isolada realidade numerada 43), o enredo é narrado através de cada uma das subtramas de Naia e Alaric para que elas possam então invariavelmente chegar à R43 e desenvolver o fio condutor da história central efetivamente. Para aumentar seu conflito, Lawrence leva um novo elenco de personagens à R43 que, preso ali, acaba por formar sua própria sociedade e ganha dramaticidade com a presença da primeira personagem genuinamente má na série: o jovem Gus. 

Movido por um senso quase niilista de ser, Gus é um dos pontos mais altos da obra, e sua presença traz medo, violência e um toque de imprevisibilidade muito bem-vindo ao romance, ainda que seu desfecho em específico seja extremamente insatisfatório. Através dele e os outros garotos presos na R43, temos uma interessante atmosfera de "O Senhor das Moscas" enquanto há disputa de poder pelo comando do bando, e tal perspectiva ganha um bom insight quando recebe Naia, presa fácil para que os sedentos jovens possam saciar suas vontades há tanto reprimidas. Há crueldade e atmosfera pesadas aqui, para então entrar em cena o jovem Ric, outra adição interessante ao enredo cuja realidade de origem também é um dos focos da obra e cujos conflitos somam ao dos conhecidos Alaric e Naia. Tais cenas contrastam com o tom geral da série, é claro, mas mexem com o leitor e realmente prendem.

O maior e melhor ponto de "The Underwood See", no entanto, está em seu senso de questionamento abrangente. Quebrando seu paradigma de muitas perguntas e poucas respostas durante a série, Lawrence explica através de sua personagem Aldous U. como é feito o transporte entre realidades, criando um complexo sistema para que tal ação seja efetiva. Revelando as centenas de realidades que existem paralelamente, surge então espaço para discussões maiores, levando a própria existência de Deus à refutação. Aldous U. é seco e direto ao afirmar que não temos um propósito maior, apenas nascemos, crescemos e morremos, e o absurdo número de realidades diferentes é a prova concreta de descrença em uma entidade onipresente. Mantendo sua audácia, Lawrence também questiona a espiritualidade como um todo, explicada simploriamente como oscilações entre realidades que permitem aos seus habitantes vislumbres de mundos diferentes que podem até ter um fluxo de tempo diferente: não são mortos que vemos, mas sim versões de uma pessoa em uma realidade diferente. Há polêmica e tal visão deve ofender muitos, mas é bom ver um livro infanto-juvenil ser audacioso a esse ponto.

Por tudo isso, então, e pela satisfatória conclusão atingida tanto para Naia quanto para Alaric (que felizmente não é um "felizes para sempre"), "The Underwood See" é uma leitura digna e até superior à sua antecessora. Uma eventual publicação em português seria bem-vinda, mas aqueles que se interessaram pela saga podem adquirir o livro através de sites de livrarias nacionais ou internacionais sem maiores problemas.

Agora 'nuff said. A viagem Withern Rise foi boa, e chegou a hora de seguir em frente! Continuem a acompanhar o blog e até a próxima!

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In a nutshell:

- The Underwood See -
Thumbs Up: questionamentos de maior escopo; respostas satisfatórias que ajudam na construção da trama; novo e interessante elenco de personagens; estilo de leitura pense-antes-ter-a-resposta;
Thumbs Down: resoluções fracas para personagens menores; sensação de pressa em seu ato final;   

terça-feira, 11 de setembro de 2012

J. Edgar

Direção: Clint Eastwood
Elenco: Leonardo DiCaprio, Naomi Watts, Armie Hammer, Josh Lucas, Judi Dench


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Yo! How's it going?

Depois de trazer a vocês um pouco sobre "Sete Dias com Marilyn", hoje abordo aqui no blog um filme mais biográfico do que a película já mencionada: "J. Edgar", longa dirigido por Clint Eastwood que narra os principais eventos da carreira do homem responsável tanto por parte da idealização como inteira solidificação do mais famoso escritório de investigações do mundo: o Federal Bureau of Investigation.

Plano de fundo: Apesar de jovem, John Edgar Hoover (Leonardo DiCaprio) é altamente ambicioso, fruto talvez da rígida educação dada por sua mãe ou simplesmente pelo alto senso de idealismo que rege sua noção de justiça. Com a ameaça comunista interna assolando os EUA em uma onda de terror e ataques bolcheviques, Hoover encontra o espaço necessário para se inserir no cenário político-investigativo norte-americano e se promover rapidamente graças a suas aguçadas e inabaláveis convicções.

Dirigindo o reestruturado Bureau de investigações, Hoover logo se depara com conflitos que colocam em cheque o ideal norte-americano e a ordem pública, situação que pede medidas extremas. Entra em vigor a federalização do escritório sob seu comando, que quanto mais se promove, mais acaba por se atrelar ao próprio governo norte-americano e suas mais importantes figuras, entrelaçando-se em teias de eventos que se estendem por décadas e ainda são especuladas. Assim como o próprio FBI, é claro, Hoover mantém uma parcela mais do que notável de segredos, e aqueles revelados em seu memoir podem ter sua exatidão mais do que discutível, mas são indubitavelmente chamativos.

Papum: Se ainda há aqueles que podem achar um filme como "J. Edgar" apenas monótono, ainda bem que também há aqueles que estejam dispostos a continuar produzindo películas como essa: misturando fatos históricos, teorias e suposições em um enredo bem estruturado, "J. Edgar" é uma boa pedida para os interessados pela rica e misteriosa história do FBI que carecem de uma visão cinematográfica recente séria e nada caricata de agências governamentais trabalhando sob seus respectivos departamentos de justiça; nesse quesito, pois bem, "J. Edgar" tem sucesso.

Avisando o espectador logo de cara que é um longa biográfico que está por vir, o roteiro de Dustin Lance Black e direção de Eastwood fazem questão de posicionar o velho J. Edgar Hoover perante agentes que transcrevem os principais eventos da história do mesmo (e também do FBI) para então nos conduzir pelos principais acontecimentos de sua vida alternando entre o presente da década de 50 e toda a trajetória de Hoover no Bureau, iniciada em 1924. Sendo assim, o que vemos é uma boa mistura de realidade e especulações que oferece curiosos insights sobre as principais conquistas de Hoover e do FBI em si: de sua seleção polêmica de agentes de aparência heroica à captura de notórios indivíduos procurados por todo o país usando técnicas de investigação pioneiras na época, como o uso de notas marcadas ou o sistema de armazenamento de impressões digitais para a formação de um banco de dados nacional. É claro que tudo é feito através do punho de ferro de Hoover e seu incrível idealismo de que o terror está à espreita em qualquer esquina, lembrando-nos de como o medo é o fator mais importante na concessão e obtenção de poder. Nesse quesito, "J. Edgar" é honesto e promove a ascensão de seu personagem às custas do que está na cara de todos, mas muitos ainda se recusam a ver.

Se a motivação e personalidade do protagonista são fortes, as inúmeras referências históricas entram em cena para aguçar nossa curiosidade, apesar de apenas breves para uma contextualização mais ampla. Mesmo assim, tudo de extremamente relevante está aqui: o caso do bebê Lindbergh, as apreensões de famosos gangsteres como John Dillinger (caso abordado no bom filme "Inimigo Público", com Johnny Depp e Christian Bale), "Baby Face" Nelson, George "Machine Gun" Kelly, o envolvimento do FBI com o governo de Roosevelt; tudo é parte das promoções que o Bureau ganha através de Hoover e seus atos que por vezes não parecem ortodoxos, mas sem dúvida funcionam. Nessa linha, também entram em cena e ganham destaque as polêmicas aparições e conexões da personagem com o senador Robert Kennedy e seu irmão, o presidente John Kennedy, cenas em que Eastwood promove a continuação de teorias conspiratórias que conectam o FBI ao horrendo crime há décadas. No entanto, a abordagem é feita sutilmente, como não poderia deixar de ser: afinal, até hoje se especula sobre o assunto, e o único fato consumado é que a morte de Kennedy deu ainda mais poder ao FBI, que passou a incorporar casos de oficiais federais sob sua jurisdição. O que fica claro, no entanto, é que Hoover sabe de tudo o que se passa na Casa Branca, e resta a historiadores analisar e diferenciar verdades de rumores.

Em uma nota mais artística, "J. Edgar" ganha notoriedade pela ótima performance de Leonardo DiCaprio. Mesmo contando com uma maquiagem pouco convincente, talvez o maior defeito do filme, o ator leva a película nas costas e promove com sucesso as diferentes fases da vida de sua personagem, assim como seus conflitos internos que variam do medo e respeito profundos por sua mãe aos maiores indícios da homossexualidade de Hoover. Eastwood sabiamente inclui tais rumores em pitadas precisas e corajosamente diretas, podendo ofender e agradar historiadores na mesma proporção, já que há aqueles que refutam ou acreditam no fato com convicção. De um ponto de vista narrativo, o resultado é altamente efetivo, adicionando mais uma camada de complexidade à já interessante personagem que serve de combustível para a manutenção de seu grande mito. Concordar ou não com os métodos de Hoover fica a cabo do espectador, mas sua importância como figura histórica especulativa deve ser preservada, o que é realizado de modo mais do que satisfatório. Só por isso, "J. Edgar" é um filme de amplo sucesso, já que não está nas suas mãos afirmar tudo que ocorreu, mas sim mostrar-nos uma grande variedade de ideias e discussões que possam continuar uma cadeia de estudos já existente há muito tempo.

Agora 'nuff said. Deixem seus comentários e até a próxima!

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In a nutshell:

- J. Edgar -
Thumbs Up: referências históricas factuais se mesclam à deduções de modo convincente; Leonardo DiCaprio mais uma vez excelente; coragem em abordar rumores políticos e eventuais escândalos da Casa Branca abertamente, assim como a opção sexual de seu protagonista;
Thumbs Down: falta de trilha sonora; maquiagem pouquíssimo inspirada; escolha de estilo narrativo efetiva, mas nada original; 

domingo, 9 de setembro de 2012

Sete Dias com Marilyn

Direção: Simon Curtis
Elenco: Eddie Redmayne, Michelle Williams, Kenneth Branagh, Judi Dench, Emma Watson

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Yo! How's it going?

Contrariando o que costuma acontecer aqui no blog, escrevo hoje sobre um filme que já se encontra em DVD e Blu-Ray nas locadoras por todo o país: "Sete Dias com Marilyn", baseado nos livros "The Prince, the Showgirl and Me" e "My Week with Marilyn", obras por meio das quais o escritor e cineasta inglês Colin Clark narra o começo de sua carreira e o incrível contato que teve com uma das mulheres mais icônicas e desejadas de todos os tempos, Marilyn Monroe.

Plano de fundo: Seguindo seu sonho de trabalhar no ramo cinematográfico, o jovem Colin Clark (Eddie Redmayne) deixa a incrível mansão de sua poderosa família para ir a Londres tentar sua sorte no mercado instável e oscilante do cinema. Determinado, o jovem não demora a mostrar seu valor e acaba contratado para trabalhar ao lado de Laurence Olivier (Kenneth Branagh) nas filmagens de "O Príncipe Encantado", película cuja protagonista é nada mais nada menos do que Marilyn Monroe (Michelle Williams).

Complexa tanto quanto intensa, Marilyn acaba por se aproximar bastante de Colin durante sua estada na Inglaterra, criando uma complicada relação entre os dois que certamente mudará a vida do jovem Colin para sempre.

Papum: Seguindo o mesmo estilo de filmagem simplório e até mesmo burocrático de outro longa contemporâneo que retrata uma personalidade feminina marcante, o filme "A Dama de Ferro", "Sete Dias com Marilyn" oferece não mais do que um pequeno vislumbre sobre a perturbada mente de sua mais importante personagem e acaba por não se aprofundar muito em toda a sua instabilidade incrivelmente potencial durante sua extensão. Todavia, aqui isso não é necessariamente um erro de escolha ou simples preguiça histórica, mas sim uma questão de coesão.


Como já mencionado, o filme é baseado em dois livros/diários escritos por Colin Clark sobre os dias que o até então assistente de direção passou com Marilyn Monroe. Sendo assim, já temos um olhar pendente e altamente parcial desde o início, o que impossibilita um maior aprofundamento da personagem por um simples fato: não é ela a protagonista, mas sim Colin, e o que vemos de Marilyn é entregue única e exclusivamente sob o olhar do inglês perante a aparentemente problemática atriz. Nessa questão e jogando contra o próprio propósito do filme entra o terrível equívoco da tradução de seu título: enquanto em inglês o longa se chama "My week with Marilyn", tornando a película algo pessoal logo em seu título, o nome "Sete Dias com Marilyn" vende uma imagem diferente, algo como um estudo sobre Monroe através de uma abordagem centrada nela. Bem, acho que já está claro que não é esse o caso.

Se no biográfico "A Dama de Ferro" havia muito sobre Margareth Thatcher a ser contado e acabamos recebendo pouco de sua importante vida política, opção clara dos produtores e diretor do filme, em "Sete Dias com Marilyn" não há nada a ser contado a não ser o que Colin Clark vivenciou ao lado da atriz, seja tudo verdade ou ficção, e o filme cumpre seu propósito efetivamente. Isso não exclui, porém, a responsabilidade de Simon Curtis de tentar fazer algo realmente notável, o que de fato não acontece. Nessa linha, o que vemos é um estilo de filmagem pouco inspirado que depende totalmente de seu elenco para dar certo, como de fato acaba por fazê-lo de modo satisfatório, mas talvez não mais do que isso.

Having said that, é necessário comparar "Sete Dias com Marilyn" à "A Dama de Ferro" novamente para tratar das atuações de sua equipe. Ora essa, se o filme de Margareth Thatcher vale a pena pela incrível atuação de Meryl Streep (que inclusive lhe rendeu o Oscar este ano), o longa de Simon Curtis tem em seu ponto mais alto a exuberante e incrível performance de Michelle Williams, trazendo à vida toda a beleza e complicada mente de Marilyn Monroe com complexidade e delicadeza singulares. Aliada aos talentos mais do que sólidos de Kenneth Branagh (indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante pelo papel) e Judi Dench, Williams faz talvez a atuação mais marcante de sua vida até agora, trabalho esse que a presenteou com uma indicação ao Oscar de melhor atriz este ano. Sua performance dá camadas incríveis à personagem, e não há como não sentir um gosto de "quero mais" toda vez que o enredo volta à Colin e deixa a atriz de lado momentaneamente. É uma pena, então, que não seja ela a protagonista e que o filme não seja uma biografia no final das contas, já que havia potencial artístico e narrativo o suficiente em Williams para fazer tal trabalho. Torço para que "Sete Dias com Marilyn" desperte o interesse em cineastas e historiadores para a realização de algo mais notável sobre Monroe, assim como torço para que, caso algo assim venha a surgir, Michelle Williams ainda esteja disponível para o trabalho. 

Agora 'nuff said. Continuem a acompanhar o blog e até a próxima!


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In a nutshell:

- Sete Dias com Marilyn -
Thumbs Up: elenco em grande sintonia; fantástica atuação de Michelle Williams como Marilyn Monroe, sensitivamente complexa e estonteante; roteiro coeso e coerente;
Thumbs Down: tradução do título para o português um tanto quanto ludibriadora; direção impessoal que se apoia no elenco para tornar o filme significativo;